Entre 2020 e 2024, o setor movimentou R$ 15 bilhões em seis grandes transações
Os crescentes investimentos da indústria de celulose e papel aqueceram o mercado de compra e venda de ativos florestais – que movimentou cerca de R$ 15 bilhões nos últimos 5 anos. Segundo especialistas do setor, essa tendência vai persistir, com novas transações podendo movimentar mais de R$ 10 bilhões nos próximos anos.
Além da demanda por parte das empresas, há também um potencial vindo da regulação do mercado de créditos de carbono no Brasil, sancionado em meados de dezembro de 2024 pelo presidente Lula.
Entre 2020 e 2024, Bracell, Suzano, CMPC, Klabin e Arauco negociaram 496.887 hectares de área no país, transacionando R$ 14,885 bilhões, segundo levantamento da ESG Tech, feito a pedido do Valor.
As seis negociações avaliadas pela consultoria foram feitas entre as próprias companhias ou com fundos de investimento florestal (TIMOs, em inglês) e envolvem principalmente plantios de pinus e de eucalipto. “A preferência [das empresas] é ter uma floresta no padrão desejado, mas quando há escassez de madeira, elas não pensam duas vezes [em comprar]”, afirma Mario Coso, sócio da ESG Tech e engenheiro florestal.
A operação mais recente apontada no levantamento foi a venda de 60 mil hectares de florestas plantadas e 43 mil hectares de terras, em São Paulo, Paraná e Santa Catarina, da Klabin para uma TIMO. Com potencial de colocar até R$ 2,7 bilhões no caixa da companhia, o valor arrecadado será utilizado para reduzir seu endividamento nos próximos meses.
A maior parte das terras envolvidas nessa negociação é do projeto Caetê, adquirido pela fabricante de celulose brasileira da chilena Arauco no início do ano por US$ 1,16 bilhão, equivalente a R$ 5,8 bilhões no câmbio à época do anúncio. O negócio englobou 150 mil hectares, sendo 85 mil hectares de plantio de pinus e eucalipto, e 31,5 milhões de toneladas de madeira em pé.
Marcos Ivo, diretor financeiro da Klabin, entende que em um horizonte de 10 anos, ainda há espaço para a empresa ampliar sua base florestal no Sul do país, região prioritária para a companhia. “Na nossa análise, baseado em ciência, é onde existe o menor risco de mudanças climáticas”, diz.
No caso de uma eventual expansão, o executivo afirma que serão exploradas todas as alternativas disponíveis, desde a formação da base florestal pela própria empresa até a aquisição de terras e florestas de terceiros.
O desinvestimento também foi estratégico para o grupo chileno, que planeja investir US$ 4,6 bilhões em uma megafábrica de celulose de eucalipto no Mato Grosso do Sul antes do fim da década. Quando pronta, a nova unidade terá a capacidade de produzir 3,5 milhões de toneladas de fibra de eucalipto por ano.
Outro grupo chileno em expansão no Brasil é a CMPC. Em abril, a empresa anunciou uma nova fábrica no Rio Grande so Sul, com capacidade de produção 2,5 milhões de toneladas por ano de celulose de eucalipto.
A Bracell, produtora de celulose do grupo singapurense Royal Golden Eagle (RGE), desembolsou R$ 1 bilhão em 2020 para adquirir 21.066 hectares de propriedades rurais da Suzano em São Paulo. A companhia estava em vias de inaugurar o projeto Star, ampliação da antiga Lwarcel em Lençóis Paulista (SP), com capacidade de produzir até 3 milhões de toneladas anuais de celulose kraft a partir do eucalipto ou 1,5 milhão de toneladas de celulose solúvel por ano.
Além dos projetos executados e anunciados, há estudos para novas fábricas que ainda não foram confirmados. A Paper Excellence, sócia da J&F Investimentos na Eldorado, está avançando nas conversas para ter uma nova unidade de celulose no país, provavelmente em Minas Gerais. Futuramente, a Klabin também tem no radar uma nova planta de celulose fluff (utilizada em fraldas e absorventes) no Sul do país, com capacidade de produzir algo entre 650 e 850 mil toneladas por ano.
“Tudo isso vai aumentar as áreas plantadas e tende a gerar novas transações entre empresas de celulose e proprietários individuais, ou empresas que já têm floresta plantada”, afirma Coso, da ESG Tech. Há que se considerar ainda que os novos projetos estão vindo cada vez maiores em termos de capacidade produtiva, o que exige bases florestais à altura. “Um projeto hoje dificilmente sai com área florestal plantada menor que 250 mil hectares”, diz.
Parte dessa base será formada por investimentos diretos, mas o restante deve envolver a compra de florestas já formadas, avalia Coso. “Por isso, não é absurdo estimar que transações de terras e florestas movimentem mais de R$ 10 bilhões ao longo dos próximos anos”, afirma.
A demanda por madeira no país cresceu de forma expressiva nos últimos anos, puxada não só pela produção de papel e celulose, mas também por outros setores da economia, como siderurgia, energia e agricultura.
A indústria de etanol de milho, por exemplo, tem se tornado um grande consumidor de biomassa do cavaco de eucalipto no seu processo produtivo. De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a produção do etanol à base de milho aumentou em 800% no país entre 2017 e 2023.
“O Brasil já produz 7 milhões de litros de etanol de milho, e isso pode chegar a 14 bilhões em 8 anos, o que demandaria mais hectares de biomassa de eucalipto”, afirma Carlos Anibal de Almeida, vice-presidente executivo de florestal e suprimentos da Suzano.
Nesse contexto, a disponibilidade de ativos florestais com características “ótimas” para o plantio tende a ficar cada vez mais limitada, afirma Anibal. A Suzano inaugurou há pouco o Projeto Cerrado, em Ribas do Rio Pardo (MS), com capacidade para produzir 2,55 milhões de toneladas de celulose de eucalipto por ano. É a maior linha única do mundo.
Apesar de não dar clareza sobre os próximos passos, a companhia entende que o investimento florestal para novos projetos será cada vez maior. “As condições ideais para um projeto competitivo estão se tornando cada vez mais desafiadoras, o que pode levar a um aumento do custo de produção da celulose”, disse. Por isso, a palavra de ordem na Suzano é aumentar a autossuficiência em madeira, seja por ganho de produtividade ou expansão da base plantada.
Outro fator que pode criar novas oportunidades para investimentos florestais no Brasil é a regulação do mercado de créditos de carbono. Em meados de dezembro, o mercado comemorou a sansão da lei que regulamenta esse mercado no país.
Para Gerrity Lansing e Mark Wishnie, diretor de sustentabilidade do BTG Pactual Timberland Investment Group (TIG), a América Latina, em especial o Brasil, pode assumir um protagonismo importante nesse mercado. Com um portfólio de US$ 7,2 bilhões em ativos e compromissos sob gestão, até 30 de setembro de 2024, o BTG Pactual TIG é um dos principais fundos de gestão de investimentos florestais do mundo.
“As altas taxas de crescimento biológico da região, alinhadas a oportunidades potenciais de fornecer benefícios climáticos, de biodiversidade e sociais juntamente com retornos financeiros potenciais, são atrativos para muitos investidores em florestas”, afirmam os executivos.
Os interessados, segundo Lansing e Wishnie, incluem fundos de pensão, companhias de seguros e fundações, instituições financeiras e instituições de financiamento ao desenvolvimento, bem como corporações privadas, escritórios familiares e outros.
Por Helena Benfica — De São Paulo
Fonte: Valor Econômico